Resenha do livro A Viagem do Elefante

Resumo do livro

Após visitar a exposição Saramago: os pontos e a vista, no Farol Santander, senti uma vontade incontrolável de me aventurar em um dos livros de José Saramago. Já havia me encantado com adaptações cinematográficas de suas obras, como Ensaio Sobre a Cegueira e O Homem Duplicado, mas ainda não tinha escolhido o título que me proporcionaria a experiência de mergulhar no universo do autor português. Dentre os livros destacados na exposição, A Viagem do Elefante imediatamente capturou minha atenção.

Resenha do livro A Viagem do Elefante

A narrativa gira em torno do elefante Salomão e seu trajeto, acompanhado por seus cuidadores, para chegar até a Áustria, onde seria presenteado ao arquiduque Maximiliano como um raro presente de casamento. Saramago inicia seu conto de maneira intrigante: “Por muito incongruente que possa parecer…”, criando um enredo que mescla elementos reais com uma rica imaginação. O pano de fundo histórico gira em torno da figura de Dom João III de Portugal, que, em uma grandiosa ideia noturna em 1551, decide enviar um elefante ao arquiduque austríaco Maximiliano II, neto do imperador Carlos V.

No início, o exotismo que cerca Salomão encanta os portugueses, mas, à medida que o tempo passa, o paquiderme se torna apenas uma presença fedorenta e negligenciada às margens de Lisboa. Quando a ideia de enviar Salomão se torna concreta, a narrativa encontra o equilíbrio entre a realidade e a ficção, recheada de personagens históricos que se enredam em situações inesperadas. O caminho percorrido pela caravana, que passa por Portugal, Espanha e Itália, leva-os a enfrentar os montes dos Alpes, onde Salomão demonstra coragem e resistência.

Este livro, que consiste na primeira obra de Saramago após seus relatos autobiográficos em Pequenas memórias (2006), é resultado de contemplações que o autor perseguiu por mais de uma década, a partir de uma experiência em Salzburgo. Com a habilidade que lhe é peculiar, Saramago usa humor e ironia para tecer uma crítica sutil sobre a natureza humana, ao mesmo tempo que traça uma jornada literal e metafórica. Descrevendo a epopeia de Salomão, ele mostra que, no final das contas, sempre se chega aonde se deve chegar.

Ainda que o estilo da escrita de Saramago possa causar estranhamento nos primeiros contatos, sua capacidade de brincar com a linguagem e explorar a oralidade tornam a leitura saborosa e envolvente. O autor subverte regras gramaticais e utiliza a vírgula como um dos principais elementos estilísticos, criando um ritmo único e uma intimidade rara entre personagens, narrador e leitor. A narrativa flui como uma conversação informal, cheia de nuances e vibrações coloquiais.

Através de descrições vívidas, humor e uma profunda reflexão sobre a condição humana, Saramago consegue transportar o leitor para dentro da história. É como se estivéssemos caminhando lado a lado com Salomão, vivenciando situações que vão do cômico ao trágico, do real ao fantástico. O fato de que essa obra foi escrita após um período de grave doença do autor adiciona uma camada de profundidade à narrativa, onde temas existenciais emergem de forma contundente.

Embora o fim de Salomão seja conhecido, A Viagem do Elefante explora com muito mais riqueza o caminho percorrido do que a chegada em si. É uma alegoria da vida, que nos lembra que, apesar de conhecermos o desfecho, o que realmente importa são as experiências e interações que vivemos ao longo do caminho. É uma leitura envolvente que traz leveza e profunda reflexão.

Afinal, “a vida ri-se das previsões e põe palavras onde imaginámos silêncios, e súbitos regressos quando pensámos que não voltaríamos a encontrar-nos”, como bem diz Saramago. A viagem não é apenas física, é também uma metáfora rica sobre as vitórias, os desafios e as alegrias que encontramos em nossas jornadas pessoais.