“Preferiria não fazê-lo.” Essa frase, simples e ao mesmo tempo impactante, fez de Bartleby um dos personagens mais intrigantes e enigmáticos da literatura do século XIX. Publicado em 1853 por Herman Melville, o autor famoso por Moby Dick, o conto “Bartleby, o escrivão: uma história de Wall Street” é uma obra-prima que provoca reflexões essenciais sobre trabalho, alienação, melancolia e o sentido da vida em uma sociedade cada vez mais impessoal. Nesta análise de Bartleby, o escrivão, iremos examinar as múltiplas camadas desse texto inquietante, que se torna ainda mais pertinente em nosso mundo atual, onde o valor de um indivíduo é frequentemente medido pela sua produtividade.
Bartleby, O Escrivão – Uma Análise Profunda
A narrativa é apresentada em primeira pessoa por um advogado de Wall Street que decide contratar um novo escrivão para atender a demanda crescente de documentos legais. Ele já conta com três assistentes: Turkey, Nippers e Ginger Nut, cada um com características estereotipadas e rotinas rigorosas. Bartleby, o novo funcionário, se destaca por sua discrição, trabalho eficiente e comportamento quase invisível, tornando-se rapidamente a opção perfeita. No entanto, essa dinâmica muda drasticamente quando o narrador solicita que Bartleby revise um documento — uma tarefa corriqueira. A resposta surpreendente aparece pela primeira vez: “Preferiria não fazê-lo.” Essa resposta, proferida de maneira serena e sem arrogância, inicia uma sequência de negativas a qualquer atividade. Gradualmente, Bartleby para de trabalhar, se recusa a sair do escritório e, finalmente, passa seus dias apenas olhando pelo vidro de uma janela que dá para um muro de tijolos. O ambiente do conto — um escritório sem janelas abertas, cercado por paredes — simboliza a opressão do espírito humano. Wall Street, o coração financeiro de Nova York, transforma-se em um labirinto da alma contemporânea, onde a individualidade se esvai e a existência é reduzida à mera capacidade de produzir.
Um dos elementos mais impressionantes do texto é a maneira pela qual Bartleby resiste. Ele não se rebela, não entra em discussão e não apresenta argumentos. Simplesmente prefere não fazer. Em uma sociedade capitalista em plena expansão, onde o valor de uma pessoa está atrelado à sua habilidade de trabalhar, essa negativa é uma forma de subversão. A atitude de Bartleby pode ser vista como um protesto contra o sistema — mas não um protesto convencional, ruidoso e demandante. Ao contrário, é uma desobediência silenciosa, tão radical que flerta com o niilismo. Ele prefere não se alimentar, não se justificar, não se explicar e, por fim, não viver. Alguns o consideram o primeiro personagem de “literatura kafkiana”, antecipando figuras como Gregor Samsa, de A Metamorfose. Outros veem nele um precursor do existencialismo de Camus, principalmente por causa do absurdo que sua presença provoca: Bartleby não é um rebelde com propósito, mas alguém que desmonta significados estabelecidos, colocando o narrador (e o leitor) diante de um espelho desconfortável.
Melville escreveu Bartleby poucos anos antes da publicação do Manifesto Comunista (1848) e de O Capital (1867). Apesar disso, sua crítica ao mundo do trabalho industrial e burocrático parece dialogar diretamente com os conceitos de alienação do trabalho, definidos por Marx. No conto, todos os personagens estão presos em tarefas rotineiras, mecânicas, que não demandam reflexão, criatividade ou prazer. Eles são meras engrenagens de um sistema. O próprio narrador, apesar de sua posição, demonstra-se uma figura conformada, que busca entender Bartleby mais por um desconforto moral do que por genuína empatia. Ele representa o indivíduo burguês incapaz de ver além das normas sociais. A recusa de Bartleby expõe a desumanização do trabalho contemporâneo. Sua apatia não é apenas uma característica; é uma manifestação do fato de que, quando reduzido à condição de máquina, o ser humano perde a essência e o sentido da vida. Bartleby, portanto, é um ser esvaziado — não por natureza, mas pela estrutura a que foi subjugado.
Um ponto frequentemente debatido nas análises modernas de Bartleby é a possibilidade de que o personagem sofra de uma depressão profunda. Seus comportamentos refletem sintomas clássicos: isolamento social, falta de apetite, silêncio persistente, desinteresse total e ausência de motivação. Mais do que uma metáfora política, Bartleby também representa um indivíduo marcado pela melancolia clínica. Seu passado é envolto em mistério; sabemos apenas que anteriormente trabalhou em um setor dos correios, onde destruía cartas sem destinatário. Esse detalhe simbólico sugere que Bartleby passou anos lidando com mensagens que não chegavam a lugar algum. O que poderia ser mais emblemático de um ser humano condenado à ineficácia? Ao longo do conto, a depressão de Bartleby torna-se tão opressiva que ele deixa de existir socialmente. Não através de um suicídio direto, mas por uma desistência absoluta da vida. Seu corpo ainda permanece, mas sua vontade se dissolve.
Outro aspecto marcante de Melville é como ele retrata o narrador, um homem que aparenta ser razoável, gentil e justo. Ele se esforça para ser delicado e ético ao lidar com Bartleby, oferecendo ajuda, tentando convencê-lo e sendo paciente. No entanto, sua tentativa de empatia, embora bem-intencionada, revela-se ineficaz e superficial. O narrador nunca compreende Bartleby verdadeiramente. Na realidade, ele o teme — não por violência, mas pelo que Bartleby representa: o colapso do sentido. A presença do escrivão desafia suas certezas morais e sua visão de mundo. Por isso, ele opta pelo afastamento, muda de endereço e transfere o “problema” a outros, semelhante à maneira como a sociedade frequentemente trata os doentes mentais e os vulneráveis. Essa impotência do narrador demonstra que a verdadeira empatia exige mais do que intenções benevolentes; exige uma compreensão profunda e disposição para deixar de lado o próprio ego. Diante do vazio que Bartleby representa, talvez ninguém esteja verdadeiramente preparado para isso.
A força de Bartleby, o escrivão, reside em sua capacidade de dialogar com diversas gerações. No século XIX, a obra criticava a ascensão da burocracia e da lógica capitalista. No século XX, inspirou movimentos existencialistas e discussões sobre a sanidade mental. Agora, no século XXI, suas questões ressoam fortemente nas discussões sobre burnout, depressão, precarização do trabalho e a falta de sentido na vida moderna. Em poucas páginas, Melville elabora uma fábula filosófica e social. Bartleby não é um herói nem um mártir. É um enigma. Sua recusa silenciosa continua a desafiar leitores, levando-nos a questionar se estamos apenas seguindo expectativas alheias — ou se ainda temos a coragem de exercitar nossa vontade própria.
É pertinente observar que, muito antes de Albert Camus formular a ideia do absurdo e criar a emblemática figura de Meursault em O Estrangeiro (1942), Herman Melville já havia apresentado Bartleby, um personagem igualmente perturbador. Sua apatia e sua recusa sistemática à ação posicionam-no como um precursor na literatura do absurdo, antecipando questões existenciais que viriam a marcar o século XX. Bartleby e Meursault compartilham um traço essencial: ambos exemplificam um tipo de niilismo silencioso e inquietante. Enquanto Bartleby se nega a agir com seu constante “preferiria não fazê-lo”, Meursault se nega a sentir — indiferente à morte da mãe, ao amor, ao crime que comete e até mesmo ao seu próprio destino. Ambos rejeitam os pilares sobre os quais a sociedade se estrutura: trabalho, emoção e moralidade. O silêncio de Bartleby e a frieza de Meursault representam uma recusa às significações impostas, revelando um vazio radical que desarma aqueles que os observam.
Esta análise de Bartleby, o escrivão teve por objetivo explorar os principais elementos da obra de Herman Melville, desde a crítica ao trabalho alienante até uma reflexão mais pessoal sobre a psique do protagonista. Bartleby é um símbolo que, ao afirmar que prefere não fazer, nos provoca a refletir sobre o que realmente queremos em nossas vidas. Seu gesto, à primeira vista simples, é um convite à introspecção. Em um mundo cada vez mais automatizado e exigente, o silêncio de Bartleby pode ser a forma mais radical de questionamento. Em sua brevidade e estranheza, Bartleby, o escrivão se aproxima da genialidade. É admirável como Herman Melville, em poucas páginas, constrói um personagem inesquecível, levanta questões filosóficas profundas e provoca um desconforto existencial que ressoa até os dias de hoje. A obra transcende seu tempo e contexto, permanecendo relevante em sua crítica à mecanização do trabalho, à busca por sentido e ao esvaziamento da condição humana. Bartleby não apenas “preferiria não fazê-lo” — ele nos força a refletir sobre o que estamos realmente fazendo com nossas vidas!
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Minerva Sofia
ResumoDoLivro.com
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