Análise do Livro “Ainda Estou Aqui” (Marcelo Rubens Paiva)

Análise do Livro “Ainda Estou Aqui” (Marcelo Rubens Paiva)

“Ainda Estou Aqui”, de Marcelo Rubens Paiva, transcende o conceito de uma simples biografia, transformando-se em um testemunho vibrante de memória e resistência. O autor já havia tocado o coração de muitos com “Feliz Ano Velho”, mas em “Ainda Estou Aqui”, ele aprofunda sua narrativa de maneira ainda mais intensa. Neste artigo, apresentaremos uma análise detalhada da obra, permitindo uma melhor compreensão de seu conteúdo. O livro emerge como um relato impactante sobre memória e esquecimento – seja no plano pessoal, em referência ao Alzheimer que atinge sua mãe, ou no contexto histórico, relacionado ao desaparecimento de seu pai durante o regime militar. Trata-se de uma narrativa que entrelaça política, dor familiar e as reviravoltas do tempo, composta de maneira que cativa o leitor do início ao fim.

Sinopse

A narrativa foca na trajetória de Maria Eunice Paiva, esposa de Rubens Paiva, ex-deputado cassado e assassinado pela ditadura militar. Rubens, um empresário e político, tornou-se alvo do regime militar em 1964. No início de 1971, ele foi sequestrado por militares e levados a um centro de tortura, onde nunca mais foi visto, e seu corpo jamais foi encontrado. Este evento representa um dos episódios mais emblemáticos da repressão no Brasil, tornando-se um símbolo da luta das famílias que buscam respostas sobre seus entes desaparecidos. Maria Eunice, viúva de Rubens, tornou-se um dos rostos da resistência, enfrentando, ao longo de sua vida, a dor da perda e a incessante busca pela verdade.

De São Paulo ao Rio – Transformações e Destinos

A vida dos Paiva sofreu uma reviravolta quando a família decidiu deixar São Paulo em direção ao Rio de Janeiro. No final da década de 1960, mudaram-se para uma casa em um bairro nobre, imaginando encontrar ali a tranquilidade desejada. Mal sabiam que, em poucos anos, aquele lar se tornaria o cenário de um dos episódios mais tristes da ditadura.

Foi nesse endereço que as forças militares invadiram o lar e prenderam Rubens Paiva, alegando que ele tinha informações sobre guerrilheiros, após descobrirem cartas endereçadas a ele de dissidentes políticos. Depois disso, Rubens foi submetido a torturas e seu nome desapareceu dos registros oficiais. O regime construiu uma narrativa falsa, alegando que ele havia fugido, mas, evidências que vieram à tona posteriormente confirmaram que ele foi assassinado sob custódia.

O Exílio e a Vida sob a Repressão

Enquanto muitos fugiam do país para escapar da repressão, como Caetano Veloso e Gilberto Gil, Maria Eunice teve que aprender a sobreviver em solo nacional. Tornou-se uma das muitas viúvas da ditadura, vivendo com o fardo da incerteza sobre o destino do marido. Já os exilados enfrentavam dificuldades em qualquer lugar que buscassem abrigo. Muitos se refugiaram no Chile, em Cuba, ou até mesmo em países europeus, como a França. Contudo, mesmo fora do Brasil, o tentáculo do regime militar os alcançava. Um dos casos mais emblemáticos foi o de Vladimir Herzog, jornalista morto pela repressão. Sua esposa, Clarice Herzog, assim como Maria Eunice, se tornou um ícone de resistência.

A Canção da Esperança – O Bêbado e o Equilibrista

Se você já ouviu “O Bêbado e o Equilibrista”, de João Bosco e Aldir Blanc, pode não ter percebido todo o peso que aquelas letras carregam. A canção, famosa na voz de Elis Regina, se transformou em um hino de resistência contra a ditadura. O verso que menciona “choram Marias e Clarices no solo do Brasil” faz referência direta a Maria Eunice Paiva e Clarice Herzog, ambas vítimas da repressão. Lançada em 1979, durante a abertura política, a música homenageia as famílias que sofreram e invoca justiça para aqueles que enfrentaram a dor da perda.

Alzheimer e o Peso do Esquecimento

Contudo, a trama do livro não se concentra apenas em Rubens, mas se desdobra a partir da própria experiência de Eunice e seu Alzheimer. Marcelo Rubens Paiva começa narrando como a doença afeta a vida de sua mãe e a dinâmica familiar. O Alzheimer é especialmente cruel, pois apaga a identidade da pessoa gradualmente, fazendo-a esquecer nomes, rostos e, eventualmente, sua própria história. No caso de Maria Eunice, a doença assume um peso simbólico, uma vez que ela lutou por toda a vida para que a memória do marido fosse preservada. Curiosamente, agora é sua própria mente que começa a apagar sua história pessoal. Este é um dos grandes assuntos abordados na obra. Ela vai além da política e do drama familiar; trata-se daquilo que nos define e das consequências da perda de memória. Marcelo habilmente intercala momentos de clareza e confusão da mãe para contar a história do pai, demonstrando, em alguns instantes, que a essência dela ainda perdura, mesmo quando a doença tenta apagá-la.

Um Livro para Todos

Para aqueles que vivenciaram o luto de um familiar com Alzheimer ou outra forma de demência, a leitura se torna uma experiência visceral. Marcelo retrata com realismo os momentos de confusão da mãe, as pequenas vitórias e as grandes decepções, provocando emoções intensas. No entanto, a obra não se limita a esse nicho; é um documento poderoso sobre um dos períodos mais turbulentos da história do Brasil. Além disso, traz uma reflexão sobre o que significa lembrar e esquecer, tanto em um nível pessoal quanto coletivo.

Adaptação para o Cinema

A história de “Ainda Estou Aqui” fez tanto impacto que ganhou uma versão cinematográfica, levando a dor de Rubens Paiva e a luta de sua família a um público mais amplo. O filme alcançou sucesso significativo, ajudando a resgatar essa memória e reforçando a importância de nunca esquecermos o que aconteceu no Brasil durante a ditadura. A obra recebeu três indicações ao Oscar.

Conclusão da Análise

Sem dúvida, “Ainda Estou Aqui” é um livro intenso, emocionante e imprescindível. Aborda história, política, família e, acima de tudo, memória. Marcelo Rubens Paiva consegue transformar sua própria dor em um relato que nos toca e incita a reflexão. Este é um livro que merece ser lido e compreendido por todos aqueles que desejam aprofundar seu conhecimento sobre a ditadura, o impacto do Alzheimer e o peso da ausência