Análise Crítica | O Gaúcho, de José de Alencar

Análise Crítica | O Gaúcho, de José de Alencar

O romance “O Gaúcho”, de José de Alencar, se desenrola em um ambiente marcado pela busca de vingança durante a Revolução Farroupilha, um conflito que ocorreu de 1835 a 1845 no Rio Grande do Sul. Essa revolução foi provocada por tensões entre as províncias do sul e o governo imperial centralizado no Rio de Janeiro. As elites regionais se viam desconsideradas e insatisfeitas com as políticas fiscais e a elevada carga tributária, que afetava a economia local. A luta por autonomia, as demandas fiscais e os interesses dos estancieiros, grandes proprietários de terras, foram fatores cruciais que conduziram ao levante. Líderes proeminentes, como Bento Gonçalves e Giuseppe Garibaldi, tiveram papéis significativos na revolução, lutando por mudanças que ainda hoje ressoam na narrativa cultural gaúcha.

Análise Crítica | O Gaúcho, de José de Alencar

Com base nas referências históricas, o conflito começou em 1835 com a ocupação de Porto Alegre pelos rebeldes. Ao longo da década, batalhas essenciais, como a de Seival e a de Fanfa, foram decisivas para o domínio da região. A fundação do governo provisório da República Rio-Grandense em 1836 simbolizou a busca por independência e autogoverno. O término da Revolução Farroupilha em 1845, com a assinatura do Tratado de Ponche Verde, trouxe uma anistia aos rebeldes e reconheceu algumas de suas demandas, embora não tenha concedido a autonomia plena que almejavam. Este movimento é considerado um dos principais na história do Brasil, trazendo à tona discussões sobre federalismo e as relações entre interesses regionais e nacionais, além de contribuir significativamente para a formação da identidade cultural gaúcha.

Embora José de Alencar nunca tenha visitado a região sul, ele se debruçou em uma pesquisa aprofundada para elaborar sua obra, que busca explorar as diversas camadas de um Brasil em formação. Com suas 208 páginas, o autor oferece um enredo narrado em terceira pessoa, que começa com a descrição do vale do rio Uruguai, contrastando com os Pampas, uma vasta extensão desabitada. O protagonista, Manuel Canho, é um gaúcho solitário de 22 anos que se assemelha à paisagem, simbolizando a figura mítica do gaúcho. À medida que a narrativa avança, outros personagens são apresentados, refletindo os conflitos centrais, particularmente o romance entre Manuel e uma jovem que aparece em sua vida.

Durante sua passagem por Jaguarão, Manuel reencontra seu padrinho Bento Gonçalves, um líder farroupilha que mantém o caudilho uruguaio Juan de Lavalleja em cativeiro, ambos tentando incitar um espírito separatista. Com a permissão de seu padrinho para se vingar da morte de seu pai, Manuel conhece Catita, uma menina de apenas treze anos que, numa afirmação surpreendente, declara que seu futuro esposo é ninguém mais, ninguém menos que Manuel.

Essa revelação provoca um misto de surpreso e melancólico no coração de Manuel, intensificando a tensão amorosa da trama. O protagonista também se vê envolvido em um conflito em Entre-Rios, ao competir pela égua baia, Morena, com o mascate chileno D. Romero. Após várias tentativas frustradas, Canho finalmente doma a égua, que anseia por seu filhote. Essa conexão se torna emblemática de sua relação com os animais, que contrastam com a frieza que demonstra em relação à sua família.

Através de lembranças, Alencar nos revela as origens e motivações de Manuel, expondo seu comportamento reservado e sua busca por vingança. João Canho, um amansador de cavalos e amigo de Bento Gonçalves, leva uma vida pacata até que Loureiro, um gaúcho em fuga de um conflito amoroso, aparece, resultando na morte de João e no trauma que Manuel carrega. Após a morte de seu irmão Juca e a incapacidade de aceitar seu padrasto, Manuel se torna um jovem amargurado, decidido a vingar-se. Ele finalmente executa sua vingança ao eliminar Barreda, o responsável pela morte de seu pai, e se junta a Bento Gonçalves como um aliado de confiança.

Durante um evento festivo na cidade, Manuel reencontra Catita, que deseja se casar com ele; no entanto, ele concede pouca importância a esses sentimentos, concentrando-se em suas ambições políticas e em seus animais herdados. Ao mesmo tempo, sua irmã, Jacintinha, se mostra interessada em D. Romero, gerando preocupações a Manuel sobre as verdadeiras intenções do pretendente. Assim, a complexidade emocional de Manuel e suas relações familiares são entrelaçadas em um contexto de luta por poder e vingança.

Na segunda parte do livro, a narrativa se foca nas continuações do conflito, enquanto Manuel se envolve cada vez mais na luta de seu padrinho. Ele lida com intrigas emocionais, especialmente com Catita, que nutre um sentimento por ele. O desfecho do romance se aproxima nas páginas finais, onde as rivalidades pessoais de Manuel se intensificam e culminam em um duelo com Félix, exacerbado pela morte de seu cavalo Morzelo. Em meio a essa trama, Manuel prefere desfigurar Félix ao invés de matá-lo, ainda que novos adversários apareçam, forçando-o a uma fuga tumultuada que resulta em mais perdas.

À medida que a história avança, Manuel enfrenta a urgência de salvar Morena após um ataque, e Catita, salva por sua presença de espírito, fortalece sua ligação com Manuel após um momento de vulnerabilidade. O encerramento da obra revela a resolução de muitos conflitos, tanto políticos quanto pessoais. Manuel e Catita se aproximam, mesmo diante da incerteza e da desilusão. Ao analisar “O Gaúcho”, encontramos um romance que, embora tratado como menos notável na obra de Alencar, traz reflexões sobre a formação da identidade nacional em um Brasil em transformação. O autor se empenhou em capturar as tradições e paisagens do Brasil, enriquecendo o panorama cultural do período.

Em síntese, “O Gaúcho” pode não ser reconhecido como uma obra-prima, mas representa uma contribuição significativa ao esforço ficcional de moldar a narrativa nacionalista do Brasil.

O Gaúcho (Brasil, 1870)

Autor: José de Alencar

Editora: Ática – Série Princípios

Páginas: 208

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